quinta-feira, março 11, 2010

Explicando a história da diáspora Africana


Falar que a população negra é sempre a mais prejudicada pela política adotada pelos sucessivos governos ao longo dos quinhentos e poucos anos do Brasil pós-colonização, é o mesmo que chover no molhado. Não vou falar da forma que vieram nos chamados navios negreiros, de como eram tratados como mercadoria, que eram considerados animais, ou até como brinquedinhos sexuais, nas mãos de psicopatas em surto de ignorância política e humanitária e em flagrante desrespeito aos Direitos Humanos. Isso ficou para trás. Naquela época os negros viviam nas chamadas senzalas, que eram pequenas acomodações ao redor ou debaixo das casas dos brancos, onde os negros ficavam durante a noite até que o dia clareasse e estes retornassem ao angustiante trabalho diário. Existiam as moradas dos patrões que eram conhecidas como casa grande esbanjando luxo, patrocinadas pela exploração do trabalho escravo, que patrocinava tal luxo e contraditoriamente vivia em pequeno espaço sem qualquer estrutura básica, algo mais parecido com moradia de animais. Aliás, era assim que a podre sociedade tratava o ser humano da raça negra. Por muitas vezes, as acomodações eram invadidas pelos capitães do mato, capatazes e até de senhores "patrões" em busca de escravos fugidos e ou de divertimento sexual, mediante estupro das mulheres negras, que eram chamadas pelos estupradores de mulas (com referencia à fêmea do burro, animal de carga e de grande dote sexual). Daí veio à palavra mulata. Tal apelido é uma forma de marcar o maior produto que o Brasil exporta (prostituição da mulher para o incremento do turismo sexual) e que muitos incautos aplaudem por ignorarem tal significado. Também não falarei sobre aqueles negros que eram conhecidos como mornos, por serem masculino,mas com o comportamento sexual feminino e, ao invés de serem respeitados em suas opções sexuais, eram castrados e colocados como guardiões domésticos, já que, pelo seu comportamento sexual diferente dos padrões normais, não significavam "perigo" as donas da casa. Tomavam conta de sua patroa e as defendia até com a vida se preciso fosse. Da palavra morno, com o passar do tempo, derivou o que ainda chamamos morenos. Como ficavam em casa ao abrigo da luz estes não eram queimados diretamente pelo sol e conseqüentemente eram um pouco mais claros. Isso causava grande discriminação entre os mestiços pela sua pele um pouco menos queimadas ou natural. Os que trabalhavam na roça eram mais negros e mais machos. Também não precisa dizer que com a chegada dos imigrantes europeus, ávidos de riquezas e com a disposição de disputar mercado com os brasileiros inaugurando a era do consumo, os donos do poder no Brasil precisaram modificar a estrutura econômica e o modo de produção vigente (escravocrata), para que houvessem compradores para as bugigangas internacionais. E como escravo não recebia salário, não tinha dinheiro e conseqüentemente não tinha como comprar quinquilharias. Naturalmente o imigrante, por ser mão de obra "qualificada", não ia querer trabalhar de graça e por já ter conhecido a luxuria, precisava de emprego para produzir riqueza, enviar para seus países de origem e ou consumir mais. Assim, depois de muita pressão internacional e muita lei inócua, tais como a de ventre livre e sexagenário, o Brasil foi o ultimo pais a decretar o fim da escravidão institucionalizada - “no papel”. Porem, depois de trezentos oitenta e oito anos, seis meses, e vinte e dois dias de escravidão oficializada esses trabalhadores forçados ou escravos, como queiram, foram despejados de suas senzalas e jogados como se fossem uns papéis sujos, atirados ao lixo. Saíram sem sequer uma indenização. Muitos estavam doentes, loucos e desorientados sem a mínima noção do que seja liberdade, como um pássaro que nasceu e viveu na gaiola e não sabe voar. Mas, para aonde? Uma vez que, que seus antigos exploradores se negavam, por orgulho e egoísmo a pagar lhes algum salário! Engraçado, quando trabalhavam gratuitamente, de baixo de castigo e até a morte, serviam, mas quando tinham que receber pelo serviço a prestar, os donos do modo de produção não os achava dignos de salário. Muitos morreram assassinados, outros trocavam a liberdade pelo trabalho gratuito, visando garantir escassa comida, outros começaram a assaltar aos que passavam endinheirados, outros foram Brasil adentro sendo mortos por bichos selvagens e posteriormente por invasores brancos. Outros, os mais resistentes, ficavam por ali mais próximos dos centros comerciais, ou povoados, formando assim, as tão conhecidas favelas. Os que foram Brasil adentro e não morreram, criaram os quilombos, que à medida que a civilização chegava eram empurrados a margem das sociedades e perdendo suas terras para os chamados coronéis, políticos e ou fazendeiros desonestos.
O tempo foi passando e essa população só foi acumulando perdas.
Mas é importante, devo e quero falar que por causa da injustiça histórica a que nosso povo tem passado, somos a maioria de analfabetos, desempregados, marginalizados encarcerados e pobres deste País, que é um dos campeões mundiais em racismo e desigualdades sociais. Segundo Paulo Augusto dos Santos (Paulão), o único vereador assumidamente negro que tivemos na câmara municipal de Belo Horizonte, diga se de passagem, 69% dos negros ou pardos são indigentes. E indigentes são aqueles que estão abaixo da linha da pobreza com salário abaixo de oitenta reais mensais. Enquanto a rede globo e os meios de comunicação de massa em geral desfilam atores, empresários deputados, vereadores, chiques e famosos em geral em suas telas, a maioria descendente de europeus ou dominadores outros, nós os descendentes de africanos estamos nas favelas, cadeias, periferia aspirando o ar infecto do esgoto a céu aberto ou dos lixões, onde os restos, a extensão, a casca ou o retrato dessa sociedade egoísta e glutona são depositados para deteriorarem - se, a exemplo de sua moral. Os miseráveis ficam esperando a boa vontade daqueles que nasceram em berço de ouro, poluem os rios, sujam as cidades, mas descansam em suas fazendas latifundiárias ao redor da piscina tomando suco natural. Para fazer uma pesquisa social genealógica, estudemos a origem familiar daqueles que possuem grandes fortunas. Todos possuem descendência de dominadores, europeus ou não. Agora, o oposto tem origem na tão injustiçada, explorada e vilipendiada África. Enquanto os imigrantes surrupiavam o dinheiro das Américas para enriquecer o velho mundo, os braços fortes que vieram da África eram explorados no alem mar e sendo sugados como uma laranja, que depois de chupada é somente um bagaço. Fez da África e dos africanos o bagaço da civilização. Só que no bagaço havia sementes, que germinou nesta e em outras terras, donde foi jogada ou abandonada. Cresceram regadas pelo suor sangue e lágrimas dos nossos bravos e atuais antepassados. O povo negro, com a ajuda de Deus e a benção dos Órixás, tem a sua peculiar fertilidade e a força dos justos tem crescido e resistido a tudo e a toda forma de discriminação a que tem sido submetida ao longo desses séculos de terror e corrupção históricos.

Hoje, após 122 anos da lei áurea, lei que só tinha um único artigo e que deixou nosso povo sem garantia alguma, empurrando os à marginalidade, pobreza e a miséria, estamos questionando o porque da obrigatoriedade de sentir agradecido pelo gesto de uma pessoa que estava na hora e local apropriado e , como qualquer populista, usou o momento para sua promoção pessoal, considerando que não era mais rentável o regime de escravidão e que para a economia da época já não era mais interessante, a santa do pau oco entrou para historia como a grande redentora dos escravos. Quanta demagogia! O tempo em que sua família dominou o País e conseqüentemente usou e explorou da mão de obra escrava onde a redentora estava? Se tivesse considerando tal advento teria uma ótima oportunidade de ser realmente a redentora, dando uma indenização em dinheiro ou em terás a todos os seus escravos e decretando para seus súditos a obrigatoriedade de fazerem o mesmo. Isso sim, seria divino.

Hoje lutamos pela sobrevivência no bojo das favelas e periferias, fugindo de tiroteios, repressão policial, miséria e injustiça. Porém, como deixamos de ser brancos para sermos francos, queremos reparação. Temos o direito, no mínimo de exigir que os governos olhem para o nosso povo e tentem diminuir as injustiças históricas que tem prejudicado tanto esse povo que não pediu para aqui estar. O primeiro passo é implementar de uma forma verdadeira e institucionalmente as cotas, que não são tudo, mas é uma forma de tentar equilibrar essa balança, que só tem pendido para um lado, sendo desfavorável para a População Negra. Políticas universalistas são coisas racistas, esquizofrênicas e de quem não quer nada fazer. Precisamos de uma discriminação positiva para polemizar com atos positivos. Muitos dizem que criar cotas e desvalorizar o povo negro. Quanta ignorância e medo de perder o poder. Discriminar é negar o direito da mobilidade social. Alem das cotas, precisamos pesquisar as doenças que mais atingem a população negra, tal com, miomas, anemia falciforme, câncer de fígado e pâncreas, entre outras, mais comuns nas pessoas que não possuem acesso a saneamento básico e tratamentos preventivos. Temos também, que olhar para a escola pública, com todas as suas mazelas, nos ensinos fundamental e médio, pois, não adianta ter cotas na universidade se somente 3% de pobres terminam o ensino. Muita gente precisa abandonar os estudos por diversos fatores inerentes a miséria tais como, necessidade de trabalho para garantir sustento de sua família, discriminação em sala de aula e gravidez na adolescência entre outras mazelas do jovem e adolescente e ou pobre.

É preciso urgentemente de políticas de acompanhamentos de crianças e jovens . Um trabalho que tenha eficácia em um momento em que o jovem precisa se auto afirmar e o estado sempre vira as costas ao cidadão ao passo que a corrupção e o trafico de drogas o seduz com a ilusão do ganho fácil. Como vê, ninguém melhor de que quem sente na pele sabe o que é melhor para nós. Precisamos ter nosso espaço para que possamos trabalhar pelo bem comum dos excluídos por cor da pele ou classe social desfavorável.

Depois de calar sob todo tipo de tortura moral, material e social, não queremos mais só esperar, torcer, ouvir e aplaudir.

O povo negro quer falar!!!!!
*Professor Paulo Jorge

3 comentários:

  1. Olá Paulo, meu grande alter-ego.
    Abriu-se aqui um ótimo espaço para discutir de forma consciente e não exaacerbada o passado, o presente e o futuro.
    Concordo com cada palavra do seu brilhante artigo, eu mesma já teci um comentário na minha condição de mulher a respeito dos resquícios da diáspora nas mulheres, vide:http://livreepensadoraamissao.blogspot.com/2010/03/porque-uma-mulher-como-voce-esta.html.
    É hora de pensar diferente, agir diferente e educar as crianças, adolescentes e jovens de forma diferente, ou seja igualitária "pero no mucho".
    Bjks e parabéns.
    Gy

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Professor Paulo, sendo minha primeira visita ao blog,não poderia deixar de dizer meumuito obrigada por mais essa colaboração.
    Como você mesmo diz aqui passaram-se 122 anos, e a luta continua.
    Vamos em frente!Muita força.

    beijo-MC

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