quinta-feira, março 24, 2011

Mulheres que fazem história


Neste mes de março de 2011, vamos mais uma vez parabenizar as mulheres, sem contudo esquecer o dia 8 de março de 1857, nos Estados Unidos, em Nova Iorque, quando operárias – a maioria imigrantes italianas e judias – que trabalhavam em uma fábrica de tecidos começaram uma greve. Todas foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Cerca de 130 morreram carbonizadas naquele dia.



E por que foram mortas aquelas mulheres? Porque lutavam por direitos trabalhistas: melhores condições de trabalho, redução da jornada de 14 para 10 horas diárias, equiparação de salários com os homens (elas recebiam 1/3 do salário deles fazendo o mesmo tipo de trabalho) e direito a licença-maternidade.

O massacre comove ainda hoje todas as pessoas capazes de se indignar diante de qualquer injustiça. Todos buscamos o dia em que homens e mulheres serão livres e capazes de viver a sua humanidade plenamente Entretanto, a despeito daquele massacre, somente em 1910, durante uma conferência na Dinamarca, estabeleceu-se o dia 8 de março como o “Dia Internacional da Mulher”, uma homenagem àquelas 130 mulheres imoladas no altar do ídolo capital no Império que ainda ruge nos dias atuais, mas que está balançando e poderá cair a qualquer momento. Em 1975 a data foi oficializada pela ONU - Organização das Nações Unidas.

Como estudioso da Bíblia, quero neste dia prestar a minha homenagem a todas as mulheres, recordando algumas das muitas mulheres da Bíblia que nos inspiram para a construção de um mundo melhor da perspectiva feminista:

Eva, a mulher injustiçada do início da Bíblia que se rebelou contra a ideia de ficar sempre infantil e dependente, quis crescer e ganhar autonomia. Foi em busca da árvore do conhecimento: discernir entre o bem e o mal, algo ético e bom.
Mirian, mulher destemida que animou Moisés a enfrentar o faraó, quem por primeiro canta a libertação do imperialismo egípcio. Com “pandeiro” na mão animou os pobres que fugiam da casa da servidão: “cavalos e cavaleiros afogaram-se no mar...”
Jael[2], mulher do povo quenita, que mesmo não sendo considerada integrante do “Povo de Deus”, entrou para a história como Bendita, porque matou com uma estaca o general Sísara que tentava invadir e destruir a soberania do povo. Jael se fez solidária à grande Débora, juíza do povo que debaixo de uma palmeira administrava com justiça a convivência social.[3]
Maria, mãe de Jesus de Nazaré, a que, assim como Jael, entrou para a história como Bendita (Cf. Lc 1,42). Mulher simples, do meio do povo, meditava tudo em seu coração e cultivava a utopia de uma grande revolução: derrubar do trono os poderosos e exaltar os humildes, construir uma sociedade sem oprimidos e sem opressores.
Hulda, única mulher citada na Bíblia como profetisa, cujas palavras foram registradas por escrito, em um livro que não levou seu nome. (Cf. 2 Rs 22,15-20). Hulda vivia em Jerusalém, na periferia, a partir de onde ajudava o povo a discernir qual era o caminho da vida.
Judite - viúva, bela, sábia, de fé libertadora e decidida - também entrou para a história como Bendita, porque liderou a resistência do povo frente ao ataque de um exército invasor. Chegou a cortar a cabeça do general Holofernes. (Cf. o livro Judite 14).
Maria Madalena, a que teve a ousadia de amar Jesus destemidamente. Enfrentou a discriminação de apóstolos de Jesus, entrando para a história como a primeira pessoa que testemunhou a ressurreição de Jesus. Madalena recebeu de Jesus a principal ordenação: “Vá e diga a todos que estou vivo, ressuscitado.” Grande apóstola e missionária que, inclusive, nos legou um evangelho que mesmo não sendo admitido como livro inspirado, tem muito a nos ensinar.
Como educador social, quero inspirar pessoas referindo aos exemplos de muitas Mulheres lutadoras da atualidade que trazem no sangue o testemunho das 130 mulheres queimadas vivas nos Estados Unidos e se inspiram em muitas outras da Bíblia e da história revolucionária da humanidade. Rosa de Luxemburgo, Margarida Alves, Roseli Nunes, Olga Benário, Teresa D’Ávila, Teresinha de Lisieux ... Enfim, “uma multidão de 144 mil”.

Para não delongar, apresento, abaixo, o testemunho de uma.

Ideslaine dos Santos Pereira, da Comunidade Dandara - 887 famílias que ocuparam um terreno de 360 mil metros quadrados, dia 09/04/2009 -, em Belo Horizonte, MG, em entrevista ao Programa Palavra Ética, da TV Comunitária de BH, disse, entre tantas coisas, o seguinte:

“Eu vivia no meu mundinho, só pensando em meu umbigo, mas cansada de sofrer, sem ter mais como pagar o aluguel, ao ouvir pela TV que 140 famílias sem-casa tinham ocupado um terreno que estava abandonado no Céu Azul, não pensei duas vezes. Juntei uma trouxa e, junto com minha mãe, parti com a minha filhinha de 1 ano e meio para a ocupação. Meu único objetivo era conseguir um pedacinho de terra para construir uma casinha e assim sair da cruz do aluguel. Eu era medrosa, vivia pelos cantos até o momento em que acompanhava uma Assembleia Geral da Ocupação Dandara. Eu, escondida atrás de um barraco para não molhar na chuva, ouvi uma voz forte que bradava: “Vocês têm direito a esta terra que é uma propriedade que não cumpre sua função social. Terra abandonada, ociosa. Os pobres só conquistam seus direitos na hora que se unem, se organizam e, com fé no Deus da vida, lutam pelos seus direitos. Contem conosco nesta luta que é mais do que justa e sublime...” Saí detrás do barraco para ver quem estava falando. E eis que vi discursando, sob a chuva, uma pequena mulher, não mais do que 1,5 metro de altura. Falava com tanta determinação que me deixou impressionada. Depois fiquei sabendo que era Irmã Maria do Rosário, minha inspiradora a partir daquele momento. Senti naquela hora uma grande vergonha. Falei para mim mesma: “Ela tão pequena e com tanta coragem! E eu, grandona, e com medo de tudo?!” Naquela hora tomei a decisão de entrar na luta. Entrei e de lá pra cá não tenho mais medo, encaro a polícia, pois sei que os policiais têm direitos, mas eles têm de respeitar os nossos direitos também. Sei que sou uma cidadã, pois devo lutar pela construção de uma cidade que caiba todos. Hoje, meu mundo não é mais aquele mundinho. Tenho grandes coisas para conquistar e nada me deterá na luta por um mundo justo, solidário e fraterno. Sou feliz é na luta, cuidando das minhas duas crianças, vivendo no meu barraco com meu marido. Hoje ajudo na coordenação de Dandara e sou educadora na comunidade. Tenho só oitava série, mas estou retomando meus estudos e na Universidade me tornarei uma advogada do povo para lutar contra as injustiças que pisam em tantos inocentes. Dandara, a companheira de Zumbi dos Palmares, vive em mim e em tantas companheiras. Sou dandarense com muito orgulho.”

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