Especialista
em estudos cubanos, o jornalista Hélio Doyle explica por que a remuneração dos
profissionais de saúde de Cuba é paga diretamente ao governo de Raúl Castro; em
primeiro lugar, porque os médicos, servidores públicos cubanos, estão vindo em
missão oficial, e não como pessoas físicas; além disso, na sociedade cubana, é
aceita a tese de que os ganhos com a exportação de serviços devem ser
compartilhados entre toda a população; situação é análoga à de empresas
brasileiras de engenharia que prestam serviços no exterior, onde a remuneração
dos engenheiros é paga pelas construtoras, e não pelos governos; artigo é
resposta clara à crítica conservadora
25 de
Agosto de 2013
Brasil
247 - Autor
de uma série de artigos sobre a vinda dos médicos
cubanos,
reunidos no 247 sob o título "O
que você precisa saber sobre médicos cubanos" (leia mais aqui), o jornalista Hélio Doyle publicou
neste domingo uma resposta clara aos jornalistas e críticos do programa Mais
Médicos que apontam escravidão na vinda de profissionais de saúde daquele país.
Leia abaixo:
UM
POUCO MAIS SOBRE OS MÉDICOS CUBANOS
Parece
que o último argumento contra a contratação dos médicos cubanos é a remuneração
que vão receber. Pois é ridículo, quando prevalecem fatos, indicadores
internacionais e números, falar mal do sistema de saúde e da qualidade dos
médicos de Cuba. A revalidação de diploma também não é argumento, pois os
médicos estrangeiros trabalharão em atividades definidas e por tempo
determinado, nos termos do programa do governo federal. Não tem o menor
sentido, também, dizer que os cubanos não se entenderão com os brasileiros por
causa da língua – primeiro, porque vários deles falam o português e o
portunhol, segundo porque os médicos cubanos estão acostumados a trabalhar em
países em que a lingua falada é o inglês, o francês, o português e dialetos
africanos, e nunca isso foi entrave.
Resta,
assim, a forma de contratação e, mais uma vez sem medo do ridículo, falam até
de trabalho escravo. Essa restrição também não tem procedência, nem por
argumentos morais ou éticos (e em boa parte hipócritas), nem com base na
legislação brasileira e internacional. Vamos a duas situações hipotéticas,
embora ocorram rotineiramente.
1 –
Uma empreiteira brasileira é contratada por um governo de país europeu para uma
obra. Essa empreiteira vai receber euros por esse trabalho e levar àquele país,
por tempo determinado, alguns engenheiros, geólogos, operários especializados e
funcionários administrativos, todos eles empregados na empreiteira no Brasil.
Encerrado o contrato no país europeu, todos voltarão ao Brasil com seus
empregos assegurados. Quem vai definir a remuneração desses empregados da
empreiteira e pagá-los, ela ou o governo do país europeu? É óbvio que é a
empreiteira.
2 – Os
governos do Brasil e de um país africano assinam um acordo para que uma empresa
estatal brasileira envie profissionais de seu quadro àquele país para dar
assistência técnica a pequenos agricultores. O governo brasileiro será
remunerado em dólares pelo governo africano. A estatal brasileira designará
alguns de seus funcionários para residir e trabalhar temporariamente no país
africano. Quem vai definir a remuneração dos servidores da empresa estatal
brasileira e lhes fará o pagamento, a estatal brasileira ou o governo do país
africano? É óbvio que é a empresa estatal brasileira.
Por
que, então, tem de ser diferente com os médicos cubanos? Eles não estão vindo
para o Brasil como pessoas físicas, nem estão desempregados. São servidores
públicos do governo de Cuba, trabalham para o Estado e por ele são remunerados.
Quando termina a missão no Brasil (ou em qualquer outros dos mais de 60 países
em que trabalham), voltam para Cuba e para seus empregos públicos.
Não
teria o menor sentido, assim, que esses médicos, formados em Cuba e servidores
públicos cubanos, fossem cedidos pelo governo de Cuba para trabalhar no Brasil
como se fossem pessoas físicas sendo contratadas. Para isso, eles teriam de
deixar seus postos no governo de Cuba. Como não faria sentido que os empregados
da empreiteira contratada na Europa ou da estatal contratada na África
assinassem contratos e fossem remunerados diretamente pelos governos desses
países. Trata-se de uma prestação de serviços por parte de Cuba, feita,
como é natural, por profissionais dos quadros de saúde daquele país.
A
outra crítica é quanto à remuneração dos médicos cubanos. Embora menor do que a
que receberão os brasileiros e estrangeiros contratados como pessoas físicas,
está dentro dos padrões de Cuba e não discrepa substancialmente do que recebem
seus colegas que trabalham no arquipélago. É mais, mas não muito mais. Não tem
o menor sentido, na realidade cubana, que um médico de seus serviços de saúde,
trabalhando em outro país, receba R$ 10 mil mensais. E, embora os críticos não
aceitem, há em Cuba uma clara aceitação, pela população, de que os recursos
obtidos pela exportação de bens e serviços (entre os quais o turismo e os
serviços de educação e saúde) sejam revertidos a todos, e não a uma minoria. O
que Cuba ganha com suas exportações de bens e serviços, depois de pagar aos
trabalhadores envolvidos, não vai para pessoas físicas, vai para o Estado.
A
possibilidade de ganhar bem mais é que faz com que alguns médicos cubanos
prefiram deixar Cuba e trabalhar em outros países como pessoas físicas. É
normal que isso aconteça, em Cuba ou em qualquer país (não estamos recebendo
portugueses e espanhóis?) e em qualquer atividade (quantos latino-americanos
buscam emigrar para países mais desenvolvidos?). Como é normal que muitos dos
médicos cubanos aprovem o sistema socialista em que vivem e se disponham a
cumprir as “missões internacionalistas” em qualquer parte do mundo,
independentemente de qual é o salário. Para eles, a medicina se caracteriza
pelo humanismo e pela solidariedade, e não pelo lucro.
É
difícil entender isso pelos que aceitam passivamente, aprovam ou se beneficiam
da privatização e da mercantilização da medicina e da assistência à saúde no
Brasil.
--
"O espaço se globaliza, mas não é
mundial como um todo senão como metáfora.
Todos os lugares são mundiais mas não há
um espaço mundial.
Quem se globaliza mesmo são as
pessoas". Milton Santos,1993.
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