segunda-feira, maio 16, 2011

Agressão mata mais os negros

Enquanto homens brancos jovens são vítimas mais frequentes de acidentes de trânsito (35,3%), metade dos da raça negra com idade entre 15 e 29 anos costumam ser mortos em homicídios

Débora Álvares

Marcelo da Fonseca


Brasília – No dia em que a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Luiza Bairros, apresentou em São Paulo a campanha Igualdade Racial é Pra Valer, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou dados preocupantes no levantamento Dinâmica Demográfica da População Negra Brasileira. Segundo o estudo, apesar de representarem a maior parte dos brasileiros – o último Censo Demográfico apontou que 97 milhões de pessoas se autodeclararam negras, contra 91 milhões, que se disseram brancas – os negros, especialmente os homens, ainda sofrem com desigualdades.

Quase 10% dos homens negros mortos por ano têm idades entre 15 e 29 anos, número que não chega a 4% entre os jovens brancos. Causas externas como agressões (homicídios, espancamentos, etc), acidentes de trânsito, afogamentos, suicídios e quedas ficaram em segundo lugar na lista dos principais motivos de mortes entre a população negra e representam 24,3% do total, ficando atrás apenas das doenças cardiovasculares. Entre os brancos, as causas externas (14,1%) aparecem apenas em terceiro lugar das principais formas de óbitos, atrás de enfermidades do aparelho circulatório (28%) e neoplasias (17,3%).

Ao analisar separadamente as causas externas, os números do Ipea apontaram as agressões como o motivo que mais matou negros no país (48%), seguida por acidente de trânsito (24%). A análise dos óbitos de homens brancos pela mesma causa mostra uma realidade inversa: acidentes de trânsito (35,3%) matam mais que agressões (31%).

Para o secretário Executivo da Secretaria de Promoção à Igualdade Social, Mário Lisboa Theodoro, que participou do lançamento do estudo, a quantidade mais elevada de homicídios entre negros se explica pela maior exposição à violência, derivada do preconceito e da discriminação. “O Brasil ainda vive com racismo. São estatísticas com dimensões de um quase extermínio”. Para o também professor de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), os números do Ipea revelam o desafio do governo em desenvolver políticas públicas mais eficientes entre os negros. “Se a população negra aumentar e esse tratamento destinado a ela for mantido, teremos ainda maior desigualdade. O estado terá que focar cada vez mais nessas pessoas para evitar um abismo social”, avaliou o pesquisador.

Alberto Júnior José Martins, de 24 anos, integra as estatísticas e ajuda a fortalecer a tese de vulnerabilidade da população negra. O atraso ao voltar para casa depois de buscar a irmã no colégio foi o estopim para as diversas agressões sofridas por ele e pela família. O jovem, que nunca acreditou nas ameaças de morte desferidas pelo pai, embora fosse vítima de agressões verbais e físicas, assim como a mãe e os dois irmãos – uma de 17 anos, outro de 20 –, acabou sendo vítima da fúria que tomava conta do progenitor quando algo o tirava do sério.

A mãe do rapaz, Elízia José Martins, de 49, mesmo dois meses depois da morte do filho ainda não sabe explicar o que pode ter motivado o marido a cumprir o que dizia. “Ele sempre nos ameaçava, mas pensávamos que era só para nos fazer medo, para impor respeito”. O rapaz, atingido com um golpe de faca de cozinha no abdômen, abaixo do umbigo, chegou a caminhar para fora de casa, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no colo da irmã, que acompanhou tudo. “Às vezes, fico pensando que poderia ter evitado. Falei com o pai dele por telefone antes e ele já estava muito alterado. Não devia ter deixado meu filho entrar lá sozinho”, desabafou Elízia.

NASCIMENTOS O Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge), trouxe uma novidade não vista desde o primeiro levantamento realizado, em 1872: o número de negros ultrapassou o de brancos no país – 97 milhões de pessoas se autodeclararam negras, contra 91 milhões, que se disseram brancas. Para o Ipea, o principal fator para isso é a maior fecundidade entre as mulheres negras, na comparação com as brancas. “Observando a pirâmide etária, notamos que a negras são responsáveis por praticamente todos os nascimentos no país”, destacou a técnica em pesquisas do Ipea, Ana Amélia Camarano, responsável pela pesquisa.

Embora sigam a tendência de diminuição da quantidade de filhos, a taxa de fecundidade total – filhos por mulher ao final da vida reprodutiva – da população negra permanece superior à branca. Enquanto entre as negras esse número fique na média de 2,1 filhos por mulher, entre a brancas é de 1,6. Em 1999, essa média era de 2,7 entre as negras e 2,2, entre as brancas.Além da fecundidade da população negra, a maior porcentagem de negros na população brasileira se deve a uma realidade social, de conscientização para a autoafirmação dos pretos e pardos. “Houve um trabalho muito intenso, desde os anos 70, para que as pessoas se auto assumissem negras e as pessoas, com o tempo, passaram a não ter mais vergonha disso”, ressaltou Ana Amélia.

Números que machucam

Os dados da pesquisa divulgada ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) foram sentidos na pele por duas famílias mineiras. O sofrimento com a perda não aparece nas estatísticas, mas acompanha o dia-a-dia dos parentes próximos, que ainda buscam explicações para a morte dos jovens. Um homicídio que até hoje não foi totalmente explicado e um acidente por causa de imprudência e excesso de velocidade mudaram a vida dos pais de Jeferson e Lucas.

Seu Petríneo Veriano da Silva, de 71 anos, ainda não se esqueceu dos detalhes na cena do crime, quando encontrou o corpo do filho e do neto estendidos na rua. Depois de dois meses da morte de Renilson Veriando da Silva, de 40, e Jefferson Coelho da Silva, de 17, familiares e vizinhos sentem diariamente a falta da dupla. “Não esqueço das pessoas mais próximas tentando acordar meu filho, sem entender o que tinha acontecido. Lembro também das marcas de tiro, duas na barriga do meu Renilson e um bem nas costas do meu neto. São detalhes que ninguém gosta de lembrar, mas não dá para esquecer facilmente não. Estragou a nossa vida de forma brutal”, lamenta seu Petríneo.

Na madrugada de 20 de fevereiro, Jeferson e seu tio, Renilson, voltavam de uma festa quando foram assassinados a tiros por policiais militares, no Aglomerado da Serra, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. O caso ganhou repercussão depois de provado que a versão apresentada pelo policiais militares que participaram da ação – de que a dupla foi morta em uma troca de tiros – era inventada. “Vi o Jeferson crescendo e ele nunca se envolveu com qualquer tipo de confusão. O Renilson também era trabalhador e responsável, a morte deles foi uma grande decepção para todos os moradores do bairro. Até hoje, meus filhos, que eram como irmãos, sentem a falta do garoto”, diz Waltecir Barbosa Miranda, vizinho de Jeferson e Renilson.

ACIDENTE Lucas Emanuel, de 16, voltava com a família das férias e se apresentaria na semana seguinte para iniciar a preparação para um torneio internacional, nas categorias de base do América. A expectativa para a viagem internacional pelo clube e o sonho de se tornar jogador de futebol profissional acabaram no fim do ano passado, quando ele morreu em um acidente na BR-040, na altura do município de Nova Lima, sentido Belo Horizonte/Rio de Janeiro.

Lutando para superar a ausência do filho, Luiz Carlos Pereira prefere lembrar das conquistas que Lucas teve na infância e do exemplo como jovem alegre e cheio de sonhos. “Como pai, ainda é muito difícil entender porque tamanha tragédia aconteceu na nossa família. Tudo o que vivemos fica marcado, não é fácil vencer a saudade”, afirma. Luiz lamenta também o grande número de vítimas do trânsito e acredita que uma mudança é possível, mas deve partir dos próprios motoristas. “Hoje, as pessoas têm muita dificuldade para entender até onde vão seus direitos, por isso acabam desrespeitando os outros sem pensar nas consequências. A correria para chegar na hora, o egoísmo de sempre querer levar vantagem em cima do outro podem destruir a vida de famílias inteiras e isso não pode ser recuperado. Acho que ainda teremos muitas perdas com o trânsito, infelizmente”, pondera.

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