segunda-feira, janeiro 18, 2010

Tradições Folclóricas do Povo Negro


“A bandeira acredita que a semente seja tanta Que essa mesa seja farta, que essa casa seja santa” (Bandeira do Divino, Ivan Lins & Vitor Martins)
Algumas das imagens mais fortes de minh infancia em minha memória são as do folclore de Minha Minas Gerais, suas manifestações culturais e religiosas, as de meu povo nas ruas celebrando a fé e a vida.
No início de um novo ano, quando se renovam compromissos e se recarregam as energias para mais uma jornada, temos a oportunidade de presenciar a beleza dos rituais, da dança, das cores, da tradição secular da Folia de Reis, celebrada em todas as cidades Mineiras e Brasileiras, em demonstrações de riqueza cultural e de imensa espiritualidade de nosso povo.Tanto a Folia de Reis quanto a Folia do Divino chegaram ao Brasil por volta do século XVI, trazida pelos colonizadores portugueses. Em Minas Gerais e Goiás estão suas manifestações mais profundas e belas, que ainda guardam os traços profundos de fé, esperança e alegria que impressionaram tanto o botânico austríaco Johan Pohl, quando o celebrado naturalista francês Saint-Hillaire, que perambularam pelos sertões goianos no século XIX e registraram para a posteridade as surpreendentes comemorações que presenciaram em mais de um lugarejo.Ao longo do tempo, por incrível que pareça, não houve uma descaracterização maior, nem se perdeu a beleza da coreografia ou a significação do que se celebra. Esse é um fato de alta relevância: o povo do interior de Goiás, como o de Minas Gerais ou do Espírito Santo, guardou em seus corações uma tradição secular e a preservou com a força de seus sentimentos e a pureza de sua fé. Independente do apoio de organismos oficiais, do poder público, de qualquer tipo de patrocínio, na quase totalidade dos Municípios de tais Estados o seu povo mais humilde se organiza e cumpre o rito de comemorar o nascimento de Jesus, a visita dos Reis Magos, as andanças do filho de Deus e de seus doze apóstolos, e assim por diante.E é surpreendente que uma das mais importantes facetas de nossa cultura, que arrebata corações e enche olhos, que deslumbra intelectuais, maravilha fotógrafos, inebria multidões e dá imenso orgulho aos cidadãos de cada uma das cidades onde as Folias de Reis e do Divino, a Congada e as visitações ocorrem, não se faça a partir de incentivo oficial ou qualquer forma de financiamento público! São os moradores de cada uma dessas pequenas cidades, gente simples, mulheres e homens do povo, que se organizam, que se cotizam, que preparam a festa e a fazem resistir pelos anos afora, talvez não tendo sequer a idéia de que são os responsáveis por uma das mais significativas manifestações de nossa cultura. É uma festa que vem do povo no mais amplo e poderoso sentido.A Folia de Reis representa o pagamento de uma promessa e é celebrada noite adentro. São dezenas de devotos que cantam, dançam e tocam alguns instrumentos musicais, em seguida visitação às casas de famílias. De porta em porta, levando os votos de saúde, de amizade e de prosperidade, a folia é recebida com alegria e respeito, não raro com o oferecimento de comidas e bebidas, e assim vai até o sol raiar.Há uma festa de encerramento na casa de quem fez a promessa e onde se reza o terço diante da bandeira dos Santos Reis. No ano vindouro tudo se realizará novamente, na reafirmação da fé e da devoção. Tudo isso num ambiente de amizade entre os homens, de carinho entre as famílias, de fé em Deus e de grande esperança no ano que se inicia. Desde minha infância em Buriti Alegre as imagens dessa festa não me saem nem das retinas nem do coração.As manifestações no interior de Minas são de uma beleza impressionante, de uma força pungente, de um colorido sem par. Sempre as acompanhei e me sinto feliz em poder tornar pública a minha grande admiração pelo que vem do fundo da alm a de nosso povo, nossa gente mais simples, demonstrando seu apego aos valores que o tempo não apagou. A Procissão do Fogaréu em Goiás Velho, as cavalhadas em Pirenópolis e Jaraguá, a festa do Divino Pai Eterno, em Trindade, reúnem milhões de goianos e de brasileiros de diversos Estados, em demonstrações impecáveis de fé e alegria.Quando vejo manifestações exóticas e absolutamente divorciadas de nossa realidade, sem nenhuma identidade nacional ou importância cultural, serem comemoradas no Brasil, sinto imensa decepção e me revolto sinceramente. No país do Maracatu, da Capoeira, da Catira, das Congadas, das Folias de Reis e do Divino, do Boi-Bumbá em Parintins (quem não conhece e não gosta do Garantido ou do Caprichoso?), do Tambor-de-Crioula e do Bumba-meu-Boi maranhenses, isso toma as conotações de um atentado à cultura nacional. No país do Carnaval, a maior festa popular do mundo, não podemos abrir mão de nossa identidade nacional.Câmara Cascudo, o mais importante folclorista de todos os tempos, registrou tais manifestações populares como sendo o mais cristalino traço de genialidade e brilho do povo brasileiro. Acrescento à sentença definitiva do inesquecível mestre a constatação de que, Graças a Deus, o exitoso Brasil do presente, que marcha a passos largos para um futuro impressionante, não abriu mão da beleza das manifestações que vem do coração de seu povo.

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