Portaria do Ministério da Saúde
estabelece condições de abastecimento que não existem na vida cotidiana
A crise no abastecimento de água
potável em São Paulo ˗˗ com possibilidade de interrupção no fornecimento num
sistema de dois dias de abastecimento por outros quatro de torneiras secas ˗˗
expõe contradições previstas em legislação federal e que até agora não foi
considerada, como se fosse mera peça de ficção.
Trata-se da portaria 2914 do
Ministério da Saúde de 12 de dezembro de 2011, publicada no Diário Oficial da
União em 14 de dezembro de 2011.
O que dizem as 30 páginas da
portaria, que inclui um conjunto de tabelas de conteúdo técnico relativo, por
exemplo, ao padrão de potabilidade para substâncias químicas que representam
riscos à saúde?
Em síntese, aponta que as pessoas que
estão improvisando coleta de água de chuva para se prevenir de um recrudescimento
da crise de abastecimento estão sujeitas, por exemplo, a penalidades previstas
na Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977 “sem prejuízo das sanções de natureza
civil ou penal cabíveis”.
Essa situação, no cotidiano,
configura o que ironiza o ditado popular: “se correr o bicho pega, se ficar, o
bicho come”.
A portaria do Ministério da Saúde,
que disciplina atribuições em escalas estadual e municipal, prevê, por exemplo,
no artigo 4º que “toda água destinada ao consumo proveniente de solução
alternativa individual de abastecimento de água, independentemente da forma de
acesso da população, está sujeita à vigilância da qualidade da água”.
Essa é, evidentemente, uma previsão
desejável, no sentido de assegurar um padrão básico de qualidade e assim
proteger a saúde pública.
Mas, observada no cotidiano, é pura
peça de ficção.
Em regiões do nordeste brasileiro,
por exemplo, em que a população se abastece de poços, partilhando a água com
animais, e destituída de qualquer tratamento, está a negação veemente da
formalidade legal.
Estima-se em 30 mil mortes diárias em
todo o mundo provocadas pelo consumo de água não adequada para o consumo humano
e a maioria dessas vítimas são crianças, a maior parte das classes sociais mais
pobres, vítimas especialmente de diarreias infecciosas, mas também de cólera,
leptospirose, hepatite e esquistossomose.
No Brasil, mais de 3 milhões de
famílias não dispõem de água tratada e algo em torno de 7,5 milhões de moradias
não dispõem de rede de esgotos.
A portaria 2914 do Ministério da
Saúde prevê, no seu parágrafo único, que “A autoridade municipal de saúde
pública não autorizará o fornecimento de água para consumo humano por meio de
solução alternativa coletiva quando houver rede de distribuição de água, exceto
em situação de emergência e intermitência”.
A questão é que, ao menos até agora,
essa caracterização “emergência e intermitência”, foi devidamente
caracterizada.
Daí a prevalência do paradoxo: se
correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.
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